Culturalmente relacionado a status e diversão, o álcool quando chega ao nível da dependência causa sérias sequelas. Além de afetar a vida social e profissional, acarreta uma série de doenças, como a cirrose hepática, que levou um dos grandes expoentes do futebol da década de 1980, Sócrates Sampaio, 57 anos, a ser internado no último dia 5. Antes dessa internação, o ex-jogador chegou a ficar nove dias no hospital por conta de um sangramento digestivo ocasionado pela doença, e havia recebido alta em 27 de agosto.
A estimativa é que de 10 a 15% da população mundial seja dependente do álcool. Conforme um levantamento realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Brasil possui cerca de 15 milhões de alcoólatras. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 4% das mortes no mundo estão relacionadas ao consumo de álcool. A dependência do álcool não só causa males para o próprio dependente, mas para a família e toda a sociedade.
Conforme a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), pesquisas realizadas por instituições ligadas a OMS apontam que o consumo de álcool tem relação em 60% dos acidentes fatais de trânsito, 54% dos acidentes de trabalho, 50% das internações e 75% das reinternações em hospitais psiquiátricos, 80% dos crimes envolvendo violência e 90% dos crimes contra mulheres e crianças.
Em Porto Velho, o Centro de Atenção Psicossocial (Caps AD) atende 50 dependentes por dia, entre alcoólatras e dependentes de outras drogas. Criado em 26 de novembro de 2009, a instituição trabalha para o tratamento dos dependentes e a reinserção na sociedade. De acordo com o diretor executivo Ademir Pereira, a busca por atendimento no centro não depende de encaminhamento, funciona com demanda espontânea. Além de ir direto ao Caps, na avenida Lauro Sodré, 1964, bairro Liberdade, o dependente interessado em tratamento pode agendar a consulta pelo telefone 3901-2877.
O atendimento é multiprofissional. A unidade tem três psiquiatras, sendo que um é especializado em atendimento para crianças e adolescentes, dois clínicos gerais e enfermeiros. Também há a distribuição gratuita de remédios. De segunda a sexta-feira, das 7h às 19h.
Médica explica como se dá o diagnóstico do problema
Segundo a médica clínica-geral,
Brysa Soares, o alcoolismo até hoje não é entendido por todas as pessoas como uma doença. O dependente precisa reconhecer que está doente e procurar tratamento. ‘‘
A bebida é uma droga lícita estimulada pela população e pelos meios de comunicação’’. A procura por atendimento médico no caso do alcoolismo se dá de forma tardia. ‘‘
As pessoas já chegam em situação extrema, com problemas de saúde, familiares, sociais e perda de emprego’’.
Quando os pacientes são adultos, os problemas que os motivam a procurar atendimento estão relacionados a questões sociais, desenvolvimento da agressividade e envolvimento em acidentes. Já entre os pacientes da terceira idade, os problemas dizem respeito à saúde. O diagnóstico de alcoolismo depende da frequência e quantidade de bebida alcoólica ingerida. A médica faz uma ressalva para explicar a diferença entre o alcoolismo e o abuso de álcool. O último se caracteriza por episódios de embriaguês. A dependência está relacionada à predisposição genética e fatores sociais.
A médica explicou que a manifestação das sequelas não é em curto prazo, mas pode ser mais rápida em pessoas que possui outros agravantes como as que possuem diabetes e pressão alta. Entre as principais doenças causadas pelo alcoolismo está as avitaminoses, pois o álcool tira a vitamina B1 dos nervos e cérebro o que pode gerar uma neuropatia, demência alcoólica (esquecimento), câncer gástrico e bucal, gastrite e cirrose hepática.
A cirrose hepática ataca o fígado, e os principais sintomas são ascite que é a retenção de liquido. A pessoa apresenta uma circunferência abdominal avantajada, amarelamento da pele, e nos casos mais graves, varizes no esôfago que podem ocasionar sangramentos. A cirrose hepática é mais comum entre homens com mais de 55 anos.
Grupos terapêuticos incluem familiares
De acordo com o diretor, o centro trabalha com grupos terapêuticos que inclui não somente os dependentes como também os familiares. ‘‘O trabalho é cognitivo-comportamental, ou seja, para a mudança do comportamento’’. Os atendidos também participam de palestras. As reuniões em grupos acontecem às quartas-feiras, a partir da 16h, com os dependentes e a família, e às sextas-feiras, das 9h às 10h30 com grupos de adolescentes, familiares e adultos usuários. ‘‘Para cada faixa etária, a metodologia é diferente’’, ressaltou ao explicar que o apoio da família é um suporte fundamental para que os dependentes continuem o tratamento.
Conforme Ademir, o tratamento para o alcoolismo é constante, mas há casos de desistência. Para reverter isso, o centro possui a visita domiciliar motivacional com psicólogos e enfermeiros que vão até a residência do dependente procurar saber o motivo do abandono do tratamento e sensibilizá-los a retornar. Ademir esclarece que mais que a preocupação com a incidência dos que conseguem se livrar do vício, a principal meta da unidade é desenvolver o bem-estar do dependente no decorrer do tratamento. Por isso é trabalhado a eliminação das problemáticas ocasionadas pelo consumo de bebida alcoólica.
Entre os adolescentes, a faixa etária dos atendidos varia de 11 a 17 anos e entre os adultos de 18 a 22 anos. O diretor explica que, se por um lado o consumo de bebida tem certo glamour social, os dependentes enfrentam preconceito e acabam sendo marginalizados.
Mulheres não são aceitas na sociedade
Ademir conta que a maioria dos atendidos são homens. A sociedade não aceita as mulheres como dependentes químicas, o que pode estar relacionado à baixa procura delas por admitir o problema e procurar tratamento.
A busca por tratamento pode ser a porta para a recuperação da vida, de valores e a prevenção das doenças que podem ser causadas pelo uso contínuo do álcool.
Entre os relatos de motivação ao consumo de álcool, o diretor explica que os adolescentes atribuem a curiosidade e a desinibição ao frequentar baladas. Geralmente os mais tímidos são os que mais usam como desculpa o consumo de bebidas alcoólicas, justificando que o álcool ajuda a lidar com a inibição.
Já entre os adultos, os motivos envolvem decepções na vida, mas principalmente as amorosas e perda de emprego são as mais comuns.
Fonte:
Diário da Amazônia
Foto:
Tom França